Observatório Negro
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
NOTA DE REPÚDIO
Observatório Negro
NOTA PÚBLICA SOBRE A CRISE POLÍTICA BRASILEIRA
Escrito por Observatório Negro
A MORTE DO DEFENSOR NEGRO
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Tolerância Zero para DENEGRIR
O TEMPO, BH, MG4 de maio de 2005 FÁTIMA OLIVEIRA
E aí?! Agora sabemos o que é racismo?
Mídia e Racismo 1
Inicialmente, cabe-nos tentar compreender a reação da mídia com a notícia, esse fenômeno que mobilizou as pessoas que freqüentemente resistem a falar sobre o assunto, principalmente a pauta jornalística, e dificilmente vêem, num caso de racismo, notícia. Muitas vezes, as instituições de recebimento de casos de racismo buscam na mídia a divulgação de casos exemplares com o objetivo de provocar postura crítica sobre o que acontece no nosso dia-a-dia. Mas as emissoras de televisão mostram-se freqüentemente resistentes, principalmente quando há algum tipo de condenação. O SOS RACISMO/PE, em dois anos de existência, recebeu vários casos tão violentos quanto o Caso Grafite e a mídia não achou interessante veicular. Uma situação curiosa. Certa vez, a Rede Globo marcou com a equipe do então SOS Racismo uma entrevista com uma vítima. O jornalista chegou até a sede do SOS, mas, antes de iniciar a entrevista com a usuária do serviço, recebeu uma ligação e foi embora alegando que havia acontecido algo “mais interessante” e ele iria fazer a tal cobertura. Mas, no caso Grafite, estamos lidando com um caso que envolve uma pessoa conhecida e provavelmente tem uma condição socioeconômica diferenciada, contrariando as afirmações de que o racismo não existe e o problema é de classe ou de situação econômica.
Frente a situações como essas, percebemos como a força da mídia pode informar ou desinformar, dar importância ou negar a importância.
Ao mesmo tempo, é preocupante por trazer ao debate certas distorções, em interpretações equivocadas da legislação antidiscriminatória e o entendimento deformado de que chamar de Negro é crime. Basta uma pessoa fazer essa referência na mídia nacional que uma grande quantidade de desinformados absorve e acredita exatamente nisto. São pessoas que agora falam da questão racial com tanta propriedade, como se tivessem conhecimento de causa. No Programa Boa Noite Brasil de 21 de abril, por exemplo, a convidada Sônia Lima afirma, sem titubear, que o argentino só pagou fiança porque na terra dele racismo não é crime.
A CHACINA DO RIO: MAIS UMA AÇÃO DO GENOCÍDIO RACISTA BRASILEIRO
Os números também não deixam dúvidas. É a população negra, em especial homens jovens negros, a maior vítima da violência policial, seja em ações criminosas – por parte dos chamados grupos de extermínio, ou a “banda podre” da polícia – ou mesmo em ações consideradas lícitas, como as invasões truculentas a comunidades populares em busca de “marginais”.
A sociedade brasileira assiste passivamente a mais esse ato de barbárie; acostumada com a violência em tão larga escala, e, ainda mais, com a monocromática e previsível escolha das vítimas, recolhe-se em seu lamento inerte, tristemente conformada e convencida de que a violência policial no Brasil não escolhe a quem vitimar. As “brancas” campanhas pela paz, ressalve-se, não nos remete a quem devemos protestar, nem denuncia qual o grande violador dos nossos direitos humanos à vida, à integridade física e à dignidade.
Enquanto exaurem-se os jornais com a cobertura sobre a morte do sumo pontífice católico, as vítimas não recebem sequer um minuto de luto oficial pelo governo brasileiro; não têm ao menos direito à bandeira nacional a meio mastro, para assistirmos indignadas/os até onde chegam as conseqüências da impunidade.
No declarado ano de Promoção à Igualdade Racial, o genocídio do povo negro – secularmente representado nos altos índices de mortalidade infantil, nos graves danos à integridade física da população negra devido à precariedade do saneamento básico, na violação ao direito humano da moradia digna, no sucateamento da saúde pública, no alto índice de desemprego e na já comprovada segregação educacional – se nos manifesta concretamente no assassinato em massa de pessoas que carregavam na pele o único critério, para o grupo de extermínio, de sua execução sumária.
Conclamamos toda a sociedade e os movimentos sociais a exigirem do Estado uma dura repressão aos grupos de extermínio; nessa campanha, vamos agora carregar a cor preta, não como LUTO, mas como símbolo da LUTA do povo negro em resistir nesse país de opressão e desigualdades.
IGUALDADE RACIAL COMEÇA COM O DIREITO À VIDA!
OBSERVATÓRIO NEGRO
DATAS DE MOBILIZAÇÃO DO MOVIMENTO NEGRO
É um excelente mote para refletirmos sobre as formas brasileiras do “apartheid”; pensarmos nas características que a discriminação racial assume em nossa sociedade, lançando mão, p. ex., das estatísticas sobre a violência urbana e homicídio que vitimam, principalmente, os nossos jovens negros.
É a data referente à assinatura da Princesa Isabel que promulgou a lei de “abolição” da escravatura. Essa ação, no entanto, foi meramente formal e resultante de um acordo político cujos interesses diziam respeito às negociações com a Inglaterra, não por uma real preocupação em promover o povo negro à condição de cidadão e sujeito de direitos. Tanto que não houve, junto à farsa da lei, nenhuma política do Estado em reparar e compensar a população negra pelos séculos de escravidão, muito menos de possibilitar a igualdade de oportunidades para viver na sociedade brasileira. Pelo contrário: nos primeiros anos da República, acentuaram-se as ações do Estado que pretendiam um “embranquecimento” paulatino do país, pressupondo-se, dessa forma, a extinção gradual da população negra. Esse dia, portanto, é o marco de um sofisticado processo de exclusão da população negra aos direitos de cidadania do país.
É uma data propícia tão somente a estudar e discutir o desenrolar das leis supostamente “abolicionistas” (ventre livre, sexagenários, áurea), revendo a contextualização histórica de cada uma delas e buscando observar o que de fato elas significaram para a atual situação de desigualdades raciais em que nos encontramos hoje.
É indicado trabalhar essa data com os índices sociais que atestam a feminilização da pobreza, das desigualdades relativas a emprego, renda, moradia e acesso a bens e direitos; também é importante se levantar os estereótipos padrões de compleição física, sexualidade e “superioridade/inferioridade” cultural que reforçam o racismo, vitimando as mulheres negras como maior grupo vulnerável às violações de direitos humanos em nossa sociedade.
É uma excelente oportunidade para se mobilizar todo o mês de novembro com ações que visibilizem a história de resistência da/o negra/o no país, buscando derrubar de vez a imagem da/o escrava/o submissa/o, que não reagia à sua escravização, como freqüentemente se vê nos livros escolares; estudar e demonstrar a participação da população negra na história econômica, cultural, social e política do país, não apenas em suas manifestações artísticas de resistência, mas também e principalmente na sua contribuição enquanto sujeitos políticos, intelectuais, cientistas, líderes populares, dentre outras contribuições.
A negação do negro
POLÍTICAS RACISTAS (Trechos extraídos do livro “Bantos, Malês e Identidade Negra”, de Nei Lopes, Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1988)
“Além das razões de ordem étnica, moral, política, social e talvez mesmo econômica, que nos levam a repedir in limine a entrada do preto e do amarelo, no caldeamento que se está processando sob o nosso céu, neste imenso cenário, outra por ventura existe a ser considerada, que é o ponto de vista estético e a nossa concepção helênica de beleza jamais se harmonizaria com os tipos provindo de semelhante fusão racial” (Deputado Fidélis Reis, defendendo o seu projeto de lei que também previa a proibição da entrada de colonos de raça preta no Brasil e restringindo a entrada da raça amarela, na década de 1920).
“Nariz Negróide (Correção Cirúrgica)
...o crescimento da população branca é indiscutível e se faz em números alentadores em todo o Brasil. (...)
O crescimento da população mestiça fará com que ela chegue um dia ao branco, tendo partido do branco.
Por tudo isso quanto mais o mestiço se sentir afastado do elemento negro, maior será a sua vontade de retirar da face e, conseqüentemente do nariz, os estigmas que permitam lembrar a sua origem, fato que redundará, como é claro numa tarefa grande para aqueles que se dedicam à cirurgia plástica enfrentando o problema social já grande e que crescerá com o correr do tempo. (...)
Procedemos a osteotomia, aumentamos o dorso do nariz e mudamos mais para dentro da aza (sic) nasal.
Com isso, retiramos os caracteres típicos do nariz negro e lhe damos aspecto do nariz branco.” (Publicação de um grupo de médicos no “Boletim do Centro de Estudos do Hospital dos Servidores do Estado”, em 1970).
“OS ABUTRES ESQUECERAM COMO VOAR”
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
LEI CAÓ Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989.
[
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Seminário Mulheres Negras Nordestinas contra a Discriminação Racial na Mídia
Com o apoio político-institucional da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB e apoio político-institucional e financeiro do Fundo das Nações Unidas para as Mulheres – UNIFEM, este Seminário visa a fortalecer a luta das mulheres negras a partir da Região Nordeste, com desdobramentos para uma ação nacional de maior impacto no combate ao racismo.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Cabelos de Assolan!?!? Importa se o racismo é discreto ou escrachado?
08 de abril de 2004
Rebeca Oliveira Duarte*
De “sem intenção” o inferno racista está cheio. Bem que poderia ser esse o dito popular para tratar da espécie brasileira de racismo. E, como a percepção de nossa sociedade é grosseira, calejada diante de tão díspares desigualdades raciais, as mais contundentes expressões discriminatórias chegam a passar como sutis manifestações do já famoso racismo à brasileira.
É com essa “sutileza”, com a delicadeza de um rinoceronte passeando em loja de artefatos de porcelana, que a Assolan atualmente exibe seu comercial, confiante na impunidade, em que bebês aparecem com perucas “black” feitas de bombril, ops, feitas com a lã de aço assolan. E nós assistimos pasmadas/os a esse passeio estrategicamente desastrado.
Sim, isso não se dá à toa e o tropeço não é acidental. Pensemos bem: qual a campanha possível para retirar da Bombril, sua concorrente, toda a referência quanto ao produto lã de aço, já tornado sinônimo, como gilete e navalha? Ora, a briga não é fácil; ninguém vai ao mercado comprar lã de aço - vai comprar bombril. A saída: lutar pelo lugar do sinônimo. Aí é que entram os cabelos de assolan e o discreto estardalhaço racista que a empresa e sua agência publicitária andam fazendo.
Quem é negra/o sabe muito bem o que é ter seu cabelo apelidado de uma marca de palha de aço. A tática da desagregação do ser negro está em tornar seu corpo comparável a isto ou aquilo, objeto e rótulo, animalização ou inferiorização para a manutenção da estereotipagem racista. Daí, apelidos como cabelos de assolan serem imediatamente absorvidos pelas/os espectadoras/es, que ainda acham lindo os bebês engatinhando e sorrindo inocentes da mensagem que está escancarada no comercial. Nada é subliminar: os cabelos black ali são feitos sim de lã de aço, e a “revolução” tão prometida da marca referida é a substituição dos “cabelos de bombril” pelos “cabelos de assolan”. Em breve, meninos na escola brincarão entre si e dirão que Zezinho tem cabelo igual ao dos meninos do comercial; racistas “cordiais”, como certos colunistas de grandes jornais brasileiros, baterão às costas de negros e dirão nas mesas de bares “e aí, negão de cabelo assolan?”, certos de que se trata de uma saudável brincadeira entre amigos; e o arsenal das possibilidades do seu uso não pára, porque expressões discriminatórias, como o bombril, são de mil e uma utilidades.
A partir disso, o país terá uma nova referência em lã de aço, e a mesmíssima e rediviva maneira de tentar submeter uma população imensa de negras/os a conceitos de inferioridade pelo seu fenótipo racial.
A luta pelos direitos civis da população negra no Brasil passa, necessariamente, pelo combate a danos, como esses, derivados de uma estrutura cultural-valorativa discriminatória, desigual e injusta. Os padrões sociais que se hegemonizam na interpretação e avaliação dos valores que orientam o racismo precisam ser diretamente enfrentados por todos os meios possíveis: de boicote a ações judiciais. O que não é mais possível, o que se torna insuportável, é a manutenção de estereótipos que geram e/ou mantêm modos ilimitados de opressão, privação e marginalização da negra e do negro em nosso país.
Os direitos civis incluem, dentre outros, o direito à honra e à imagem. A representação midiática do povo negro consta como um dos meios de violação dos direitos civis da pessoa negra e, conseqüentemente, de violação aos direitos humanos, pelo incitamento de conotações pejorativas aos aspectos fenotípicos negros, qual a referida propaganda, entre outras que freqüentemente assistimos no horário nobre entre novelas de maioria branca e reality shows recheados de “brincadeiras” racistas.
Certo, é peculiar do racismo brasileiro, dissimulado e acobertado por práticas culturais, que aspectos fenotípicos sejam associados a elementos que buscam desumanizar a pessoa negra. Seja a cor, seja o nariz, boca ou cabelos, a intenção racista é depreciar o corpo negro e assim sujeitá-lo à inferiorização enquanto ser humano. Mas, dentre nós, ninguém assume essa “intenção”, e os crimes cometidos assim passam longe de terem a devida responsabilização jurídica por prática de discriminação racial. Por isso mesmo, precisamos riscar de vez dos nossos dicionários antidiscriminatórios o termo “sutil” ao tratar dessa nossa espécie de racismo, e denunciá-lo incontinente ao seu menor movimento que, de tão grosseiro, é costumeiro em esmagar as reivindicações do povo negro pelo seu reconhecimento.
Lembro por fim que Bertold Brecht deixou-nos um pedido que se nos torna uma ordem: desconfiemos, desconfiemos sempre do que aparenta singelo e habitual. Não aceitemos o que é de hábito como coisa natural; e, principalmente, carreguemos a certeza de que nada é natural, nada é impossível de mudar.
A começar da marca de lã de aço que usamos em nossas casas.
*Rebeca Oliveira Duarte é articuladora e advogada do Observatório Negro.
Extraído de http://www.afirma.inf.br/htm/ensaios/ensaios.htm
A Banalidade do Mal: Racismo Institucional e Execução Sumária de Adolescentes Negros no Brasil
DISCRIMINAÇÃO RACIAL Falácias na análise da questão racial brasileira
Por Ana Paula Maravalho em 22/8/2006 | |
A revista Veja da semana passada trouxe matéria sobre o recém-lançado livro do jornalista Ali Kamel, diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo, Não somos racistas, no qual, segundo o periódico, o autor desbanca, em "análise demolidora", "as falácias da política de cotas raciais" ("Contra o mito da ‘nação bicolor’", pág. 126). Nos gráficos que ilustram a resenha, a revista afirma que "os movimentos que reivindicam cotas no mercado de trabalho para negros dividem a população brasileira em duas raças" (brancos, 52%, e negros, 48%), e em seguida que "o jornalista Ali Kamel observa que esta conta ignora os pardos – os numerosos filhos da miscigenação brasileira. Os números corretos seriam outros: brancos, 52%; negros, 6%; pardos, 42%". A revista repete aqui, pela enésima vez, um expediente falacioso ao qual recorre a cada vez que se posiciona contra as cotas: o de confundir o leitor, ao utilizar, errônea e propositadamente, o termo "negros" para significar "pretos". Como veículo jornalístico que é, elaborado por profissionais competentes no manejo das informações, e mais ainda, já alertada por leitores atentos às numerosas reincidências no malogro determinado que comete, a revista e seus editores sabem muito bem que "os movimentos que reivindicam cotas" utilizam o termo "negro" para indicar a população formada pela soma de "pretos" e "pardos", que vêm a ser os termos utilizados pelo IBGE para classificar a população afro-descendente no Brasil. Considerando que os efeitos do racismo no Brasil atingem indistintamente estes dois grupos (ao contrário do que supõe a teoria da democracia racial), os movimentos negros (atenção ao plural!), assim como vários pesquisadores de órgãos oficiais no país e membros da academia utilizam o termo "negro" significando a soma dos percentuais relativos aos autodeclarados "pretos" (6% da população brasileira) e "pardos" (42% da população), totalizando 48% de "negros". O debate em relação às cotas é legítimo e saudável num país em que pouco se discutem os efeitos de um racismo permanente, contundente e cruel com suas vítimas. Ser contra cotas é um ponto de vista, que deve ser respeitado quando vem ao debate com limpeza de propósitos. No entanto, a utilização de argumentos falaciosos como o acima descrito, empregado pela Veja, mais uma vez, com o único objetivo de desinformar e manipular o leitor, revela a pobreza de argumentos de quem procura, desesperadamente, tapar o sol com uma peneira. Definição de branquitude O livro de Ali Kamel tem, no entanto, um mérito indiscutível: o de escrever com todas as letras a teoria abraçada pelo diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo, que não deve estar longe das diretrizes da própria emissora. E, a julgar pelo entusiasmo do jornalista que escreveu sobre o livro, também é a opinião da revista em questão. A base da teoria é a mesma que embala a nação brasileira desde suas origens: a de que não somos racistas porque somos um país de mestiços. Daí a necessidade de explicar, ou melhor, denunciar que "não há negros no Brasil". É verdade que a composição racial brasileira não é fácil de explicar. Sem dúvida, a categoria de "negros" não é homogênea. Tampouco a de "brancos", o que leva à constatação de que, ao lado do aparentemente insolúvel problema de "quem é o negro no Brasil", há que se discutir a não menos complicada definição de "quem é o branco no Brasil". Sobretudo quando os argumentos contrários às cotas se concentram na negação da bipolaridade racial. A definição da branquitude sofreu modificações ao longo de nossa história. Inicialmente reservada aos originários dos países da antiga Europa, os limites do conceito foram se alargando para absorver povos que, em princípio, encontravam-se do lado de lá do perímetro racial. É assim que pessoas que em outros países possuem identidade racial própria (e que sofrem discriminação por esta razão) podem legitimamente – e só no Brasil – reconhecer-se e afirmar-se "brancos". É verdade que, para os descendentes destes povos – judeus, árabes, orientais – a democracia racial funciona perfeitamente. Ainda que preservem valores culturais específicos, a teoria da mestiçagem os absorveu por completo, equiparando-os aos "brancos" em tudo. Revolta "sincera" Oposto ao contingente "branco" – real ou virtual – encontra-se sua antítese, o "negro". E aqui também encontramos a influência da teoria da mestiçagem. No Brasil, é negro quem não pode ser considerado branco. A definição é bastante larga para permitir que negros suficientemente claros para cruzar a "linha da cor" possam se autodefinir como brancos. Num país onde ser negro sempre significou estar associado a tudo que é negativo, cruzar a "linha da cor" tornando-se branco é a única alternativa permitida pela idéia da mestiçagem. E é justamente aí que a política de cotas causa uma revolução, ao possibilitar que esta "linha" possa ser cruzada no sentido inverso: tornar-se negro passa a constituir, sim, uma opção de futuro. Os brancos que se posicionam contrários às cotas o fazem por vários motivos. Entre eles está o de crer, com sinceridade, no mito da democracia racial, na relação harmônica e perfeita entre as diferentes raças em nosso país. É possível, e mesmo provável, que uma pessoa branca creia nisto, sinceramente. Motivos não lhe faltarão: afinal, a questão racial nunca foi uma prioridade em sua vida – nunca foi discriminada por sua cor, e se já discriminou alguém, nem percebeu (contar piadas sobre negros ou repetir alguns "provérbios" oriundos da infinita e sempre correta sabedoria popular não vale, não é? É só brincadeirinha, sem intenção de magoar ninguém!). Uma pessoa branca poderá viver sua vida inteira sem ser obrigado a definir ou declarar sua branquitude, a não ser no censo. Dificilmente terá passado pela experiência de ter seus erros justificados pela sua cor, ou de ver seus méritos – mesmo que excelentes – serem menosprezados também em função de sua cor. Uma pessoa branca, mesmo pobre, sempre pôde se identificar pela sua cor com os heróis e heroínas de sua infância, fossem eles personagens de um filme, da novela, do livro de História ou mesmo de um livro de historinhas para crianças. Uma pessoa branca pode, sinceramente, achar que nunca fez distinções entre brancos e negros. Esta nunca foi uma questão importante para ela, até surgirem as discussões sobre cotas para negros na universidade e no mercado de trabalho. A revolta é então, legitimada pelo sentimento de se sentir usurpado em seu sagrado direito à igualdade por um grupelho que, de uma hora para outra, resolveu importar de outras paragens conflitos até então inexistentes no Brasil. Uma pessoa que pense desta maneira pode mesmo estar sendo sincera em sua revolta contra os que advogam que a política de cotas é a única solução para o problema racial brasileiro. Pois, segundo tudo em que acreditam, a verdadeira solução para o sucesso está no esforço pessoal, no mérito. Estão aí para provar todos os negros que alcançaram posição de destaque em suas carreiras: a Glória Maria, a Zezé Mota, o Lázaro Ramos, isso para não falar nos inúmeros cantores e jogadores de futebol negros, que ganham milhões! Motivo de alerta O único problema é que, se estamos falando de democracia racial mesmo, não deveríamos poder "identificar" a Glória Maria, a Zezé Mota, o Antônio Pitanga, o Lázaro Ramos, a Deise Nunes (para aqueles que não se lembram, ou não sabem, a nossa única Miss Brasil negra, "eleita" em 1986). E se dermos ainda mais tratos à bola, veremos que entre os exemplos de negros bem-sucedidos há muito poucos no nosso círculo íntimo de amizades. À medida em que subimos os degraus sociais, "muito poucos" vira eufemismo para "nenhum". Pois é muito possível, e mesmo provável, que uma pessoa branca das classes média e alta, no Brasil, atravesse toda a sua vida sem jamais cruzar com pessoas negras no seu círculo social. E aqui não falo do "álibi negro", aquele que os brasileiros costumam tirar da cartola cada vez que precisam explicar por que não são racistas – aquela empregada que é tratada como se fosse da família, aquele porteiro com quem conversa todos os dias, aquele menino negro a quem sempre dão um trocado no sinal. Falo de pessoas com quem podem se relacionar de igual para igual, com quem tenham estudado no mesmo colégio, com quem dividam, no mesmo nível, um posto no trabalho, com o mesmo salário, o mesmo carro. Tudo bem, vai. Um vizinho no mesmo prédio, na mesma rua, já vale. Ou a médica com quem costumam se consultar. O pediatra dos seus filhos. O dentista. Quantas destas pessoas são negras? Se os exemplos nacionais e pessoais são tão poucos, já não seria um motivo de alerta de que esta democracia racial não é tão democrática assim? Sim, pois numa democracia racial digna deste nome os negros que teriam "conseguido" seriam tantos que não deveríamos ser capazes de nomear, isolar, apontar "a" exceção que confirma a regra. Que regra? A de que para "conseguir", para "chegar lá", ser branco é um dos requisitos. E ser negro atrapalha. Discurso e política A não ser que haja outra explicação. A de que se os negros não conseguem é porque há alguma coisa errada com eles, não com a sociedade. Deve ser porque eles são incapazes, preguiçosos, burros mesmo. Feitos para ser dominados. Geneticamente dotados para a pobreza e o crime. Bingo! Taí a explicação! O problema com esta explicação é que ela não é, digamos, original. Não é uma decorrência lógica dos fatos, não é uma conclusão a ser tirada da realidade dos negros no Brasil. Na verdade, ela é a própria espinha dorsal do racismo, organizado como doutrina "científica" no século 19 e sistematizado como pedra de toque da concepção de nação brasileira: uma nação mestiça a contragosto, mas que poderia almejar seu lugar ao sol, entre os países civilizados, desde que promovesse o embranquecimento paulatino de sua população. E é a partir desta idéia sistematizada – a da mestiçagem como uma etapa necessária para promover o embranquecimento, de forma a que não haja mais negros no país – que se estabeleceram e se mantêm até hoje as relações raciais por aqui. O embranquecimento não se resumiu aos discursos dos intelectuais da época, como Sílvio Romero, Oliveira Viana, Nina Rodrigues. Foi mesmo política oficial de governo, como quando o Estado brasileiro promoveu a entrada em massa no país de colonos europeus para ocupar os postos de trabalho liberados a partir da abolição da escravização, pagando a viagem e em muitos casos cedendo terras, insumos e máquinas, ao mesmo tempo em que fechava os portos aos africanos (Decreto 528, de 28 de junho de 1890); ou quando o Itamaraty, em 1921, emitiu ordens explícitas para que as embaixadas brasileiras nos Estados Unidos negassem visto aos afro-americanos que pretendiam comprar terras em Mato Grosso. Anacrônico e deficiente O embranquecimento é também a política dominante nos meios de comunicação brasileiros, que conseguiram, pela invisibilização da população negra (pretos e pardos, indistintamente) promover a imagem do país como formado quase 100% por brancos – basta ver as páginas das revistas de moda, de "boa forma" e muitas das novelas e minisséries televisivas. Diante deste quadro, para não falar nas pesquisas que, desde 1990, vêm mostrando as diferenças abissais entre os índices de desenvolvimento humano de negros e brancos no Brasil, caem todos os argumentos que se posicionam contra as cotas por entenderem que em nosso país não há racismo. Esta discussão já foi superada, inclusive, pelo próprio Estado, que em 1995, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, reconheceu que somos, sim, um país racista. O Estado brasileiro também se comprometeu a empregar os esforços necessários para reduzir o abismo social causado pela discriminação racial histórica no país, em cumprimento aos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que incluem as ações afirmativas como instrumento de ação legítima contra o racismo. O livro de Ali Kamel já nasce, portanto, anacrônico e deficiente em seus argumentos. Pode-se ser contrário às cotas por vários motivos. Negar a existência do racismo no Brasil, no entanto, beira o revisionismo. |
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
A Consciência Branca da Globo
Ao elencar a atriz negra Thaís Araújo para protagonista de sua novela das nove, a TV Globo, através de seu funcionário Manoel Carlos, parecia querer responder ao Estatuto da Igualdade Racial idealizado pelo movimento negro que não seria necessário estabelecer cotas para atrizes e atores negros; bem, parece não ter sido à toa que justamente no momento de uma decisão histórica quanto ao conteúdo do referido Estatuto, a Globo tenha lançado ao ar duas novelas com protagonistas negras, atrizes que inclusive têm uma postura racial condizente às suas trajetórias, como são Thaís Araújo e Camila Pitanga. Nas entrelinhas, previa-se uma forjada justificativa à sociedade das "desnecessárias" cotas raciais para os meios de comunicação, já que este espaço vem sendo ocupado pelo núcleo negro da Globo. Convenhamos, uma jogada de mestre; assim, evita-se o "mal maior" para a Consciência Branca do comando global, que é obedecer a lei e fazer cumprir os direitos da pessoa, da população e dos povos negros.
Pois então que nesta semana, no capítulo que foi ao ar na noite do 17 de novembro, com precisão cirúrgica o autor desenhou a cena mais representativa possível da ópera racista contra o verdadeiro protagonismo negro. A suposta protagonista da novela, a personagem de Helena, após ser retirada de seu núcleo familiar negro para transitar exclusivamente num núcleo branco e assim ser sujeita a traições e humilhações, é posta de joelhos diante de uma de suas antagonistas brancas - já que, para uma negra, não basta uma só antagonista, devendo vir elas em número de três: a amante do marido, a filha mimada e infantilizada do marido e a ex-mulher do marido. Não apenas de joelhos, deve pedir perdão de cabeça baixa; não apenas de cabeça baixa, sob o olhar duro e inflexível de sua então dominadora; não apenas isso, como se já não fosse o bastante, deve pedir perdão e ter por resposta uma bofetada no rosto. Para finalizar a cena, a personagem desabafa com uma das melhores amigas que "devia ser assim".
A idéia de protagonista negra, na Globo, enfim foi definida claramente. Uma heroína que, se inicialmente surgia diante de um drama familiar, afirmando um núcleo negro protagonista, como âncora, marco e raiz, veio sendo reduzida dramaturgicamente a pobre vítima de suas três antagonistas brancas, tendo estas enfim recebido mais espaço de visibilidade que a suposta protagonista. O papel, de central, tornou-se periférico, apoio para a virada de jogo das outras atrizes, que passam a receber os aplausos da população e das "críticas" noveleiras de plantão, prontas para limar a atriz negra por seu papel "sem graça".
Ou talvez, pensa o autor que pode salvar o papel de Helena pondo-a no lugar em que acha pertencer à mulher negra. Agora sim, a Globo assinou embaixo de suas verdadeiras posturas ideológicas - mais diretamente, de seu racismo.
Rebeca Oliveira Duarte
Advogada e Cientista Política do Observatório Negro