OBSERVATÓRIO NEGRO

Advocacia Política - Socioeducação e Pesquisa -
Articulação Política - Participação e Controle Social
Ana Paula Maravalho, Ângela Nascimento, Claudia Alves Gomes, Ciani Sueli das Neves, Elizabete Godinho, Maria Conceição Costa, Maria de Jesus Moura, Mércia Alves, Rebeca Oliveira Duarte, Rivane Arantes

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

NOTA DE REPÚDIO

26/08/2005



O MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, a ARTICULAÇÃO NEGRA DE PERNAMBUCO, e outras redes, fóruns e organizações de defesa dos direitos humanos de Pernambuco, vêm a público manifestar sua indignação contra a execução dos jovens ELI CARLOS DOS SANTOS, FABIO LEITE DE FARIAS e ALEXANDRE JOSÉ DA SILVA NASCIMENTO (“Bibite”), na madrugada do dia 12 de agosto de 2005, no bairro de Casa Amarela – Recife/PE.Os jovens foram mortos com armas de fogo e encontrados numa calçada despidos, de bruços e com as mãos amarradas, circunstância típica de delito cometido por grupos de extermínio.A cor das vítimas não deixa dúvidas quanto a preferência racial de crimes dessa natureza – os três jovens eram negros, como o foram a maioria das vítimas de extermínio neste país. Eram também ex-moradores das ruas do Recife, mas, no momento em que foram assassinados buscavam dar um novo rumo às suas vidas – todos tinham família, trabalho e casa e o “Bibite” estava prestes a lançar o CD de RAP Recife Marginal, no qual era compositor.Esta tripla execução é a dura comprovação de que um projeto de vida não é condição suficiente para que vidas de jovens em situação de risco sejam preservadas. A regra, para esses casos – negros, jovens, pobres e subempregados é o extermínio, na pretensão de uma “assepsia social” cuja idéia se fundamenta no racismo e na discriminação de origem social.Não devemos e não podemos comungar com a lógica do extermínio.Este não pode ser mais um caso em que o genocídio da população negra ficará impune.EXIGIMOS a imediata ação das autoridades estaduais competentes no sentido de apurar e punir os responsáveis por mais essa chacina, bem como a adoção de medidas de prevenção à violência e ao racismo.“A gente quer viver,a gente quer viver,a gente que é da Rua quer sobreviver”(Cidade Movimentada. Bibite, Orelha e Huelkey Anderson. CDRecife Marginal)
Recife, 25 de agosto de 2005.
ARTICULAÇÃO NEGRA DE PERNAMBUCOCENTRO DE CULTURA E PESQUISA AXÉ
CENTRO DE CULTURA LUIZ FREIRECENTRO NORDESTINO DE ANIMAÇAO POPULAR
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
COMUNIDADE DOS PEQUENOS PROFETAS
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DO CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - REGIONAL 02
DIGNITATIS
FLOR DO MANDACARU / PAULISTA
FORUM DE MULHERES DE PERNAMBUCO
GAJOP - GABINETE DE ASSESSORIA JURÍDICA ÀS ORGANIZAÇÕES POPULARES
GRUPO MULHER MARAVILHA
MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO / OLINDA
NÓS OUTRAS MULHERES NEGRAS
NOVO MUNDO
OBSERVATÓRIO NEGRO
UIALA MUKAJI – SOCIEDADE DAS MULHERES NEGRAS DE PERNAMBUCO



Observatório Negro

NOTA PÚBLICA SOBRE A CRISE POLÍTICA BRASILEIRA

17/08/2005

Nós, organizações negras, reunidas em Brasília nos dias 13 e 14 de agosto de 2005, em preparação à Marcha Zumbi +10, expressamos nosso posicionamento frente à grave crise vivida pelo país.Estamos diante de uma profunda crise do Estado brasileiro e do Governo, que tem origem em diferentes fatores, e, principalmente, nos esforços de manutenção das estruturas que configuram a sociedade brasileira como uma das mais desiguais do mundo.As práticas ilícitas que têm vindo à tona denotam irresponsabilidade e descompromisso das autoridades para com a nação como um todo e, principalmente, para com a parcela que demanda políticas econômicas e sociais de reversão da pobreza, da violência e da injustiça resultantes do racismo e do sexismo.O histórico de vida política da população negra no Brasil nos ensina que este é o segmento da sociedade brasileira com a mais antiga e sólida trajetória de luta pela construção da liberdade e da igualdade. Nesse sentido, a exclusão da população negra do acesso às políticas públicas e ao modelo democrático não têm significado passividade e ausência de críticas às práticas que produzem esse quadro de exclusão.Assim, ao longo de cinco séculos, a população negra tem produzido inúmeras estratégias coletivas de sobrevivência e de construção de uma nação inclusiva, em contraposição ao histórico descaso à sua humanidade, dignidade e conhecimento.Diante do exposto, exigimos rigorosa apuração dos atos de corrupção e a punição dos responsáveis, em todas as esferas do Estado.Queremos uma reforma política que altere em profundidade o sistema de representação política na sociedade brasileira e permita a incorporação de novos sujeitos políticos, garantindo a participação da população negra e inibindo práticas políticas moralmente inaceitáveis.Exigimos a instalação de um processo de recriação do Estado brasileiro, com base na ética, nos valores democráticos e nos princípios inegociáveis do anti-racismo.Reafirmamos neste momento a importância da mobilização e da participação na sociedade nos processos e espaços de definição dos rumos do país. A Marcha Zumbi + 10, que se realizará em Brasília em 16 de novembro de 2005, se coloca neste contexto como uma iniciativa de exclusividade da sociedade civil, protagonizada pelo movimento negro, que recoloca os fundamentos para a construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária.

GECNI- Grupo de Estudos e Consciência Negra de Ituiutaba- MG
Associação Ori Odara- Uberlândia- MG
Articulação Negra de Pernambuco- PE
Instituto Kuanza- São Paulo- SP
Campanha Reaja- BA
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos- MA
CEERT- Centro de Estudos das Relações de Trabalho eDesigualdades- SP
Fundação Municipal Zumbi dos Palmares de Ituiutaba- MG
Conselho de Participação e Desenvolvimento da ComunidadeNegra do Estado de São Paulo- SP
Centro Cultural Orunmila- Ribeirão Preto- SP
Centro de Referência Negra Lélia Gonzáles- GO
EnegreSer- Coletivo Negro no DF e Entorno - DF
Comunidade Visual Ile- GO
Fala Negra- Paracatu- MG
Geledés- Instituto da Mulher Negra- SP
Grupo Tez- Trabalhos e Estudos Zumbi- MS
IROHIN- Comunicação a serviço dos Afro-brasileiros- DF
Instituto 21 de Março- Consciência Negra e Direitos Humanos- PR
CRIOLA- RJ
CANBENAS- Coletivo de Alunos Negros Beatriz Nascimento
ACMUN-Associação Cultural de Mulheres Negras- RS
Centro de Cultura Negra do Maranhão- MA
Centro Afro Cultural Coisa de Negro- PI
ABPN- Associação Brasileira de Pesquisadores Negros


Escrito por Observatório Negro

A MORTE DO DEFENSOR NEGRO

29/07/2005


O Brasil é palco constante, desde sua formação nacional, do genocídio do povo negro. Ora invisibilizado nosdesaparecimentos forçados e assassinatos de nossos jovens moradores de periferia, ora justificado nas rebeliões em Febens/Fundac's ou outras unidades semelhantes, ora naturalizado na mortalidade infantil, na desnutrição, na fome; e, ainda, na ação brutal das chacinas que marcam de sangue a terra, as calçadas e escadarias brasileiras: Candelária, Carandiru, El Dourado dos Carajás, Mãe Luíza de Natal, Nova Iguaçu da Baixada Fluminense.A chacina ocorrida em 31 de março em Nova Iguaçu/RJ, neste ano, foi inegavelmente a representação da continuidade dessa ação genocida contra o povo negro, em que o critério utilizado pelos assassinos foi percorrer os lugares de maioria negra - não à toa, as comunidades empobrecidas - para tirar de um/a a um/a a vida de crianças, mulheres e homens. Negros. A sociedade ficou chocada, sim; mas a banalização da cor escolhida para essa morte - morte não-natural, morte violenta - fez repetir a idéia de que não existe critério racial qualquer para o homicídio em massa. Apenas "coincidências", que no entanto sempre resultam opovo negro o segmento mais vitimado pela execução sumária, pelos grupos de extermínio. Denunciamos que se trata sim de um genocídio secular. E esse genocídio que atinge a população negra vitimou nesta semana, na manhã do 25 de julho de 2005, um defensor dos direitos desse povo: o padre negro Henrique Keler Machado, que realizou mobilizações públicas de denúncia do extermínio e apoiou os familiares das vítimas.Por ser defensor de Direitos Humanos, seu assassinato demonstra que a frágil democracia brasileira ainda é refém de instituições violentas ou, no mínimo, incapazes de conter a ação vingativa e ameaçadora dos algozes, que se organizam e atingem aqueles e aquelas que lutam por direitos, por justiça e por responsabilização.Exigindo uma ação efetiva do Estado, os defensores e as defensoras de Direitos Humanos expõem, como o padre Henrique Machado - cujo nome, cuja causa e cuja raça lembra o padre Henrique vitimado pela ditadura militar - suas próprias vidas pelo fim do genocídio, da impunidade, da exploração, das desigualdades.Que a sua vida permaneça em nossas ações e nos dê coragem de continuar lutando.
IGUALDADE RACIAL COMEÇA COM O DIREITO À VIDA! PELO FIM DO GENOCÍDIO DO POVO NEGRO!
OBSERVATÓRIO NEGRO

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Tolerância Zero para DENEGRIR

05/05/2005

A Polêmica da Cartilha do Politicamente Correto
ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL
O TEMPO, BH, MG4 de maio de 2005 FÁTIMA OLIVEIRA
Denegrir é um vocábulo racista. Há muitos e muitos anos aprendi, não lembro-me exatamente onde, mas creio que há uma dissertação de mestrado sobre o tema, que em português só há duas expressões consagradas pelo uso popular que não se referem a coisas ruins relativas a pessoas negras, que são “Grana preta” – que significa muito dinheiro – e “Cocada preta” que, conforme especialistas, é a melhor cocada. As demais expressões, e relembre aos montes, sempre significam uma depreciação e exemplificam situações extremamente negativas, condenáveis e indesejadas. Logo, são ditos de cunho racista, ainda que em nosso país sejam naturalizados e banalizados. Portanto, dá comichão que o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, cardeal Geraldo Majella Agnelo, ao se contrapor às críticas do teólogo Leonardo Boff sobre o papa Bento XVI, tenha dito que muitas pessoas religiosas aceitaram as reprimendas do ex-Santo Ofício e que, ao contrário de Boff, “Nunca abriram a boca para DENEGRIR a Igreja, o Evangelho e o papa” (grifo nosso), conforme publicado no Correio Braziliense e em O Globo (1o./05/05). Pegou pesado o cardeal. E, lamentavelmente, extrapolou. Nesse sentido, é de uma importância crucial o lançamento, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, da cartilha “Politicamente Correto”, que tem como público prioritário políticos, jornalistas e professores, na qual estão elencadas expressões do dia-a-dia que devem ser banidas pela conotação pejorativa e/ou discriminatória para alguns grupos, como gays e lésbicas, negros e mulheres. Um exemplo que consta na cartilha é que verbalizar que “A coisa ficou preta”, refere-se a uma situação negativa. Não há dúvida que cabe a autoridades eclesiásticas em nosso país também serem, pelo menos, vigilantes, quando abrirem a boca, pois realmente “O hábito faz o monge”. Não fica bem ao Primaz do Brasil se apoiar em uma palavra inegavelmente de teor racista para destratar um oponente, a não ser que ele realmente seja um racista confesso. Por enquanto, pessoalmente acredito, não é o caso de Dom Geraldo Majella Agnelo – uma pessoa afável no trato pessoal que, com certeza, não é exatamente um racista de plantão, embora tenha se expressado de modo racista, o quê evidencia a longa estrada que em nosso país teremos de percorrer para desbancar a cultura racista impregnada em todos os espaços da vida social. Aguardamos uma retratação do Primaz do Brasil como uma contribuição louvável e benfazeja à luta contra o racismo e à Marcha Zumbi +10.
A médica Fátima Oliveira escreve às quartas-feirasE-mail: fatimaoliveira@ig.com.br

E aí?! Agora sabemos o que é racismo?

23/04/2005

Mídia e Racismo 1


“Se lembrarmos, contudo, que as representações sociais vão se afirmando e confirmando através do que lemos e ouvimos sem o trabalho da análise e da reflexão, então a vida curta e fugaz da informação jornalística se torna algo que merece a nossa atenção permanente”. Iray Carone e Isildinha Baptista Nogueira em "Faíscas elétricas na imprensa brasileira: a questão racial em foco".
O caso de racismo no futebol: notícia que tomou a atenção do povo brasileiro nestes últimos dias.O fato em si pode ser refletido por vários ângulos e é esse o propósito desse artigo.
Inicialmente, cabe-nos tentar compreender a reação da mídia com a notícia, esse fenômeno que mobilizou as pessoas que freqüentemente resistem a falar sobre o assunto, principalmente a pauta jornalística, e dificilmente vêem, num caso de racismo, notícia. Muitas vezes, as instituições de recebimento de casos de racismo buscam na mídia a divulgação de casos exemplares com o objetivo de provocar postura crítica sobre o que acontece no nosso dia-a-dia. Mas as emissoras de televisão mostram-se freqüentemente resistentes, principalmente quando há algum tipo de condenação. O SOS RACISMO/PE, em dois anos de existência, recebeu vários casos tão violentos quanto o Caso Grafite e a mídia não achou interessante veicular. Uma situação curiosa. Certa vez, a Rede Globo marcou com a equipe do então SOS Racismo uma entrevista com uma vítima. O jornalista chegou até a sede do SOS, mas, antes de iniciar a entrevista com a usuária do serviço, recebeu uma ligação e foi embora alegando que havia acontecido algo “mais interessante” e ele iria fazer a tal cobertura. Mas, no caso Grafite, estamos lidando com um caso que envolve uma pessoa conhecida e provavelmente tem uma condição socioeconômica diferenciada, contrariando as afirmações de que o racismo não existe e o problema é de classe ou de situação econômica.
Frente a situações como essas, percebemos como a força da mídia pode informar ou desinformar, dar importância ou negar a importância.
Ao mesmo tempo, é preocupante por trazer ao debate certas distorções, em interpretações equivocadas da legislação antidiscriminatória e o entendimento deformado de que chamar de Negro é crime. Basta uma pessoa fazer essa referência na mídia nacional que uma grande quantidade de desinformados absorve e acredita exatamente nisto. São pessoas que agora falam da questão racial com tanta propriedade, como se tivessem conhecimento de causa. No Programa Boa Noite Brasil de 21 de abril, por exemplo, a convidada Sônia Lima afirma, sem titubear, que o argentino só pagou fiança porque na terra dele racismo não é crime.
Observatório Negro

A CHACINA DO RIO: MAIS UMA AÇÃO DO GENOCÍDIO RACISTA BRASILEIRO

06/04/2005
“Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio - Artigo 2º. Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como: assassinato de membros do grupo; dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial (...)”.

A cor das vítimas na chacina ocorrida na última semana, no Rio de Janeiro, não deixa dúvidas: a ação do grupo de extermínio oriundo da Polícia Militar daquele Estado não se deu de forma aleatória, como se veicula hoje na imprensa. Trata-se da velha prática racista de eliminar pessoas negras como a representação de um povo que se pretende extirpar da sociedade brasileira – povo não à toa segregado em sua maioria nos bairros e comunidades pobres. É um exemplo torturante do que Abdias Nascimento chamou de “o delito de ser negro”.
Os números também não deixam dúvidas. É a população negra, em especial homens jovens negros, a maior vítima da violência policial, seja em ações criminosas – por parte dos chamados grupos de extermínio, ou a “banda podre” da polícia – ou mesmo em ações consideradas lícitas, como as invasões truculentas a comunidades populares em busca de “marginais”.
A sociedade brasileira assiste passivamente a mais esse ato de barbárie; acostumada com a violência em tão larga escala, e, ainda mais, com a monocromática e previsível escolha das vítimas, recolhe-se em seu lamento inerte, tristemente conformada e convencida de que a violência policial no Brasil não escolhe a quem vitimar. As “brancas” campanhas pela paz, ressalve-se, não nos remete a quem devemos protestar, nem denuncia qual o grande violador dos nossos direitos humanos à vida, à integridade física e à dignidade.
Enquanto exaurem-se os jornais com a cobertura sobre a morte do sumo pontífice católico, as vítimas não recebem sequer um minuto de luto oficial pelo governo brasileiro; não têm ao menos direito à bandeira nacional a meio mastro, para assistirmos indignadas/os até onde chegam as conseqüências da impunidade.
No declarado ano de Promoção à Igualdade Racial, o genocídio do povo negro – secularmente representado nos altos índices de mortalidade infantil, nos graves danos à integridade física da população negra devido à precariedade do saneamento básico, na violação ao direito humano da moradia digna, no sucateamento da saúde pública, no alto índice de desemprego e na já comprovada segregação educacional – se nos manifesta concretamente no assassinato em massa de pessoas que carregavam na pele o único critério, para o grupo de extermínio, de sua execução sumária.
Conclamamos toda a sociedade e os movimentos sociais a exigirem do Estado uma dura repressão aos grupos de extermínio; nessa campanha, vamos agora carregar a cor preta, não como LUTO, mas como símbolo da LUTA do povo negro em resistir nesse país de opressão e desigualdades.

IGUALDADE RACIAL COMEÇA COM O DIREITO À VIDA!

OBSERVATÓRIO NEGRO

DATAS DE MOBILIZAÇÃO DO MOVIMENTO NEGRO

01/03/2005
As datas referenciais do Movimento Negro significam, sobretudo, a possibilidade em visibilizar a questão racial em nossa sociedade. São dias não comemorativos, e sim reflexivos, em que o povo negro pretende denunciar o histórico das relações raciais em nosso país, disfarçadamente “cordial” mas verdadeiramente racista nas práticas políticas e ações individuais.
21 de março – Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial
A ONU promulgou o 21 de março como Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial em memória do massacre ocorrido em Sharperville, África do Sul, no ano de 1960. Nessa data, 69 negros foram assassinados por policiais por estarem protestando numa manifestação contra o Apartheid, segregação racial imposta pelo governo sul-africano, de hegemonia branca.
É um excelente mote para refletirmos sobre as formas brasileiras do “apartheid”; pensarmos nas características que a discriminação racial assume em nossa sociedade, lançando mão, p. ex., das estatísticas sobre a violência urbana e homicídio que vitimam, principalmente, os nossos jovens negros.
13 de maio – Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo
Essa não é uma data considerada marco para a luta do Movimento Negro. A maioria defende simplesmente a sua desconsideração; outra parte defende que seja considerado o "Dia Nacional de Denúncia do Racismo".
É a data referente à assinatura da Princesa Isabel que promulgou a lei de “abolição” da escravatura. Essa ação, no entanto, foi meramente formal e resultante de um acordo político cujos interesses diziam respeito às negociações com a Inglaterra, não por uma real preocupação em promover o povo negro à condição de cidadão e sujeito de direitos. Tanto que não houve, junto à farsa da lei, nenhuma política do Estado em reparar e compensar a população negra pelos séculos de escravidão, muito menos de possibilitar a igualdade de oportunidades para viver na sociedade brasileira. Pelo contrário: nos primeiros anos da República, acentuaram-se as ações do Estado que pretendiam um “embranquecimento” paulatino do país, pressupondo-se, dessa forma, a extinção gradual da população negra. Esse dia, portanto, é o marco de um sofisticado processo de exclusão da população negra aos direitos de cidadania do país.
É uma data propícia tão somente a estudar e discutir o desenrolar das leis supostamente “abolicionistas” (ventre livre, sexagenários, áurea), revendo a contextualização histórica de cada uma delas e buscando observar o que de fato elas significaram para a atual situação de desigualdades raciais em que nos encontramos hoje.
25 de julho – Dia da Mulher Negra na América Latina e no Caribe

Em 25 de julho de 1992, foi decidido pelo I Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas que esse seria o Dia da Mulher Negra na América Latina e no Caribe. O encontro teve por finalidade se reconhecer a especificidade da questão da mulher negra, articulando as dimensões de gênero e raça como estruturantes das relações sociais e, conseqüentemente, das relações de poder. O lançamento do 25 de julho quer enfocar e dar visibilidade à condição da mulher negra, que sofre uma dupla condição de opressão: ser mulher e ser negra.
É indicado trabalhar essa data com os índices sociais que atestam a feminilização da pobreza, das desigualdades relativas a emprego, renda, moradia e acesso a bens e direitos; também é importante se levantar os estereótipos padrões de compleição física, sexualidade e “superioridade/inferioridade” cultural que reforçam o racismo, vitimando as mulheres negras como maior grupo vulnerável às violações de direitos humanos em nossa sociedade.
20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra
O 20 de novembro é a data mais representativa para o Movimento Negro; é a data referenciada como sendo do assassinato, em 1695, de Zumbi dos Palmares, um dos líderes quilombolas mais conhecidos pela história oficial do país. Na verdade, Zumbi representa toda a resistência negra ao longo desses mais de quinhentos anos de opressão ao povo negro no Brasil.
É uma excelente oportunidade para se mobilizar todo o mês de novembro com ações que visibilizem a história de resistência da/o negra/o no país, buscando derrubar de vez a imagem da/o escrava/o submissa/o, que não reagia à sua escravização, como freqüentemente se vê nos livros escolares; estudar e demonstrar a participação da população negra na história econômica, cultural, social e política do país, não apenas em suas manifestações artísticas de resistência, mas também e principalmente na sua contribuição enquanto sujeitos políticos, intelectuais, cientistas, líderes populares, dentre outras contribuições.

A negação do negro

19/07/2004
PARA ESTUDO - TEORIAS E POLÍTICAS RACISTAS
“Destarte, podemos, à luz dos fatos e da ciência, concluir: o incorporamento direto do índio e do negro entre nós foi conveniente para garantir o trabalho indispensável à produção da vida econômica do povo novo que se ia formar; e o mestiçamento deles com o europeu foi vantajoso: a) para a formação de uma população aclimatada ao novo meio; b) para favorecer a civilização de duas raças menos avançadas; c) para preparar a possível unidade da geração futura, que jamais se daria, se os três povos permanecessem isolados em face um do outro sem se cruzarem; d) para desenvolver as faculdades estéticas da imaginativa e do sentimento, fato real no próprio antigo continente, como demonstrou o ilustre de Gobineau.”
“Manda a verdade, porém afirmar que essa almejada unidade só é possível pelo mestiçamento, só se realizará em futuro mais ou menos remoto; pois será mister que se dêem poucos cruzamentos dos dois povos inferiores entre si, produzindo-se assim a natural diminuição deste, e se dêem ao contrário, em escala cada vez maior com indivíduos da raça branca” (Sílvio Romero, “História da Literatura Brasileira”, 1888).
“A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestes serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de quem a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como um povo” (Nina Rodrigues, “Os Africanos no Brasil”, final do século XIX).

POLÍTICAS RACISTAS (Trechos extraídos do livro “Bantos, Malês e Identidade Negra”, de Nei Lopes, Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1988)
“Art. 1o. Fica proibida no Brasil a imigração de indivíduos humanos das raças de cor preta” (Projeto de Lei de Andrade Bezerra e Cincinato Braga, em 1921).
“Além das razões de ordem étnica, moral, política, social e talvez mesmo econômica, que nos levam a repedir in limine a entrada do preto e do amarelo, no caldeamento que se está processando sob o nosso céu, neste imenso cenário, outra por ventura existe a ser considerada, que é o ponto de vista estético e a nossa concepção helênica de beleza jamais se harmonizaria com os tipos provindo de semelhante fusão racial” (Deputado Fidélis Reis, defendendo o seu projeto de lei que também previa a proibição da entrada de colonos de raça preta no Brasil e restringindo a entrada da raça amarela, na década de 1920).
“Também sou contra a imigração de quaisquer outras raças que não as raças brancas da Europa (...) Devemos muito ao negro, mas, sem dúvida, teria sido infinitamente melhor que eles não se tivessem constituídos num dos grandes fatores da formação da nossa nacionalidade” (Oliveira Vianna, a favor desse projeto).
“O Brasil precisa ser corretamente conhecido. Especialmente a sua situação política. E, já que vai estudar os negros, devo dizer-lhe que o nosso atraso político, que tornou essa ditadura necessária, se explica perfeitamente pelo nosso sangue negro. Infelizmente. Por isso, estamos tentando expurgar esse sangue, construindo uma nação para todos, limpando a raça brasileira” (Ministro das Relações Exteriores do Estado Novo, Oswaldo Aranha, em 1938, numa entrevista à antropóloga Ruth Landes).
Decreto-lei n. 7.967 de 18 de setembro de 1945. Art. 2o. Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional.
“De todas as raças a branca é a mais inteligente, a mais perseverante, a mais empreendedora. (...) A raça negra é muito mais atrasada que as outras” (frase em livro didático que circulava nas escolas públicas do interior da Bahia nos anos 50).
“Nariz Negróide (Correção Cirúrgica)
...o crescimento da população branca é indiscutível e se faz em números alentadores em todo o Brasil. (...)
O crescimento da população mestiça fará com que ela chegue um dia ao branco, tendo partido do branco.
Por tudo isso quanto mais o mestiço se sentir afastado do elemento negro, maior será a sua vontade de retirar da face e, conseqüentemente do nariz, os estigmas que permitam lembrar a sua origem, fato que redundará, como é claro numa tarefa grande para aqueles que se dedicam à cirurgia plástica enfrentando o problema social já grande e que crescerá com o correr do tempo. (...)
Procedemos a osteotomia, aumentamos o dorso do nariz e mudamos mais para dentro da aza (sic) nasal.
Com isso, retiramos os caracteres típicos do nariz negro e lhe damos aspecto do nariz branco.” (Publicação de um grupo de médicos no “Boletim do Centro de Estudos do Hospital dos Servidores do Estado”, em 1970).

“OS ABUTRES ESQUECERAM COMO VOAR”

05/07/2004
Em “A Busca de um caminho para o Brasil. A trilha do círculo vicioso”, Helio Santos cita essa frase de um ancião do povo africano masai, dita no relato para o historiador John Rowe sobre a peste bovina que assolou o continente africano. Como a morte do rebanho foi devastadora, o ancião proferiu essa alegoria que serve muito bem como cenário ao nosso quadro político de discussão sobre as políticas de cotas para negras e negros na Universidade, em cargos públicos e na mídia.
Os depoimentos dos “anti-cotas”, ultimamente veiculados na imprensa, são taxativos na demonstração de como a faixa social privilegiada – os brancos – ou candidata a privilegiada – os não-negros e não-índios em geral – “esqueceu de voar”, qual abutre habituado ao chão, diante de farta alimentação mórbida. Acostumada a pertencer inerte perante o racismo estrutural, mantém assim a polaridade incluídos/excluídos como algo perfeitamente natural na sociedade brasileira. Ante qualquer possibilidade de mudança nessas relações, mesmo quando a possibilidade ainda se encontra no campo das propostas, percebe, apavorada, que terá de ver o país numa outra perspectiva, menos tacanha, menos medíocre. Novamente os abutres: ver pela perspectiva do vôo, limpando o organismo depois de devorar, por tanto tempo, a comida apodrecida da desigualdade.
Exemplo desse pavor foi a entrevista concedida ao JB há mais de ano pelo diretor Daniel Filho, na qual opinou sobre as cotas para artistas negras/os na televisão. O diretor diz que “A cota também é restritiva porque, se aplicada rigidamente, obriga a criar um tipo de programa que foge da realidade”. É bastante estranha a sua noção de realidade brasileira: um lugar em que não existem pessoas negras (não está, portanto, em pelo menos metade da população do nosso país); lugar onde inexistem negros sujeitos da História; lugar onde só protagonizam profissionais de elite (“Estão estreando a novela Chocolate com Pimenta, que se passa nos anos 20 no Brasil. Que colocação tinham os negros nesta época? Eram advogados, entravam na escola de Medicina?”)! Estranha mesmo essa realidade paralela ao segundo maior país negro do mundo.
Tentando provar como o racismo na televisão não é tão agressivo, cita a presença de Camila Pitanga. Certamente, não teria nenhuma dificuldade em citar outros talentosos artistas negros. Difícil seria contar todos os artistas brancos que circulam em novelas e propagandas, pois lhes faltariam os dedos...aí o diretor estaria seriamente encurralado por seus próprios argumentos.
Vê-se quanta raiva e indignação as propostas de políticas de ação afirmativa, em especial as cotas, podem gerar. É que esse debate incomoda demais quem está acostumado a viver de maneira privilegiada nesse Brasil devastado. Como a peste bovina do final do século XIX, na África, o racismo brasileiro, dissimulado e cínico, faz da terra brasilis um quadro desolador de exclusão e miséria em que estão, por um lado, os que por ele perecem, e, por outro, os que dele se alimentam e os que assistem passivamente à cena, esperando apenas por seu momento de refeição.
Voar depois de tanto tempo é, de fato, muito difícil aos abutres. Mais difícil, porém, é o país continuar aceitando esse banquete mórbido de quinhentos anos. Esqueceram como voar? Que reaprendam.
* REBECA OLIVEIRA DUARTE – advogada popular e educadora

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

LEI CAÓ Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989.

Mensagem de veto Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)


Art. 2º (Vetado).


Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.


Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.
[

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Art. 15. (Vetado).

Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.

Art. 17. (Vetado).

Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Art. 19. (Vetado).


Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Renumerado pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)

Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário. (Renumerado pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)

Brasília, 5 de janeiro de 1989; 168º da Independência e 101º da República.

Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 6.1.1989

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Seminário Mulheres Negras Nordestinas contra a Discriminação Racial na Mídia



O Observatório Negro vem desenvolvendo desde 2005 ações de enfrentamento ao racismo no campo da mídia e comunicação enquanto área de forte expressão da discriminação às mulheres negras que lhes compromete a identidade e sua condição de sujeito de direitos igualitários. A experiência acumulada nos processos de monitoramento da mídia para o combate à discriminação racial, assim como o contexto de exacerbação de atitudes racistas diante das propostas de políticas afirmativas ao povo negro, revelam a importância de uma ação permanente por parte das organizações de mulheres negras no sentido de prepará-las para atuarem em um campo marcado por interesses de grupos de dominação branca, sexista e mercadológica, no qual a mulher negra é marcada e reproduzida por símbolos e imagens cunhadas pela inferioridade, desigualdade e desrespeito.


No Nordeste, os desafios existentes nas organizações de mulheres negras têm impedido uma ação de monitoramento da mídia de maior impacto e poder de pressão, levando à importância da construção de uma rede de articulação das diversas organizações em torno de uma agenda comum de enfrentamento ao racismo na mídia.

Nesse contexto, o Observatório Negro realizará o Seminário Mulheres Negras Nordestinas contra a Discriminação Racial na Mídia, entre os dias 18 e 21 de março de 2010, na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, com o objetivo de promover um processo de organização de mulheres negras do Nordeste para uma ação em rede articulada de combate à discriminação racial na mídia, socialização de experiências e construção de estratégias de ação de combate ao racismo.


Com o apoio político-institucional da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB e apoio político-institucional e financeiro do Fundo das Nações Unidas para as Mulheres – UNIFEM, este Seminário visa a fortalecer a luta das mulheres negras a partir da Região Nordeste, com desdobramentos para uma ação nacional de maior impacto no combate ao racismo.


Local: Hotel Orange, Ilha de Itamaracá – PE

Data: 18 a 21 de março de 2010

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Cabelos de Assolan!?!? Importa se o racismo é discreto ou escrachado?


08 de abril de 2004

Rebeca Oliveira Duarte*


De “sem intenção” o inferno racista está cheio. Bem que poderia ser esse o dito popular para tratar da espécie brasileira de racismo. E, como a percepção de nossa sociedade é grosseira, calejada diante de tão díspares desigualdades raciais, as mais contundentes expressões discriminatórias chegam a passar como sutis manifestações do já famoso racismo à brasileira.

É com essa “sutileza”, com a delicadeza de um rinoceronte passeando em loja de artefatos de porcelana, que a Assolan atualmente exibe seu comercial, confiante na impunidade, em que bebês aparecem com perucas “black” feitas de bombril, ops, feitas com a lã de aço assolan. E nós assistimos pasmadas/os a esse passeio estrategicamente desastrado.

Sim, isso não se dá à toa e o tropeço não é acidental. Pensemos bem: qual a campanha possível para retirar da Bombril, sua concorrente, toda a referência quanto ao produto lã de aço, já tornado sinônimo, como gilete e navalha? Ora, a briga não é fácil; ninguém vai ao mercado comprar lã de aço - vai comprar bombril. A saída: lutar pelo lugar do sinônimo. Aí é que entram os cabelos de assolan e o discreto estardalhaço racista que a empresa e sua agência publicitária andam fazendo.

Quem é negra/o sabe muito bem o que é ter seu cabelo apelidado de uma marca de palha de aço. A tática da desagregação do ser negro está em tornar seu corpo comparável a isto ou aquilo, objeto e rótulo, animalização ou inferiorização para a manutenção da estereotipagem racista. Daí, apelidos como cabelos de assolan serem imediatamente absorvidos pelas/os espectadoras/es, que ainda acham lindo os bebês engatinhando e sorrindo inocentes da mensagem que está escancarada no comercial. Nada é subliminar: os cabelos black ali são feitos sim de lã de aço, e a “revolução” tão prometida da marca referida é a substituição dos “cabelos de bombril” pelos “cabelos de assolan”. Em breve, meninos na escola brincarão entre si e dirão que Zezinho tem cabelo igual ao dos meninos do comercial; racistas “cordiais”, como certos colunistas de grandes jornais brasileiros, baterão às costas de negros e dirão nas mesas de bares “e aí, negão de cabelo assolan?”, certos de que se trata de uma saudável brincadeira entre amigos; e o arsenal das possibilidades do seu uso não pára, porque expressões discriminatórias, como o bombril, são de mil e uma utilidades.

A partir disso, o país terá uma nova referência em lã de aço, e a mesmíssima e rediviva maneira de tentar submeter uma população imensa de negras/os a conceitos de inferioridade pelo seu fenótipo racial.

A luta pelos direitos civis da população negra no Brasil passa, necessariamente, pelo combate a danos, como esses, derivados de uma estrutura cultural-valorativa discriminatória, desigual e injusta. Os padrões sociais que se hegemonizam na interpretação e avaliação dos valores que orientam o racismo precisam ser diretamente enfrentados por todos os meios possíveis: de boicote a ações judiciais. O que não é mais possível, o que se torna insuportável, é a manutenção de estereótipos que geram e/ou mantêm modos ilimitados de opressão, privação e marginalização da negra e do negro em nosso país.

Os direitos civis incluem, dentre outros, o direito à honra e à imagem. A representação midiática do povo negro consta como um dos meios de violação dos direitos civis da pessoa negra e, conseqüentemente, de violação aos direitos humanos, pelo incitamento de conotações pejorativas aos aspectos fenotípicos negros, qual a referida propaganda, entre outras que freqüentemente assistimos no horário nobre entre novelas de maioria branca e reality shows recheados de “brincadeiras” racistas.

Certo, é peculiar do racismo brasileiro, dissimulado e acobertado por práticas culturais, que aspectos fenotípicos sejam associados a elementos que buscam desumanizar a pessoa negra. Seja a cor, seja o nariz, boca ou cabelos, a intenção racista é depreciar o corpo negro e assim sujeitá-lo à inferiorização enquanto ser humano. Mas, dentre nós, ninguém assume essa “intenção”, e os crimes cometidos assim passam longe de terem a devida responsabilização jurídica por prática de discriminação racial. Por isso mesmo, precisamos riscar de vez dos nossos dicionários antidiscriminatórios o termo “sutil” ao tratar dessa nossa espécie de racismo, e denunciá-lo incontinente ao seu menor movimento que, de tão grosseiro, é costumeiro em esmagar as reivindicações do povo negro pelo seu reconhecimento.

Lembro por fim que Bertold Brecht deixou-nos um pedido que se nos torna uma ordem: desconfiemos, desconfiemos sempre do que aparenta singelo e habitual. Não aceitemos o que é de hábito como coisa natural; e, principalmente, carreguemos a certeza de que nada é natural, nada é impossível de mudar.

A começar da marca de lã de aço que usamos em nossas casas.

*Rebeca Oliveira Duarte é articuladora e advogada do Observatório Negro.

Extraído de http://www.afirma.inf.br/htm/ensaios/ensaios.htm

A Banalidade do Mal: Racismo Institucional e Execução Sumária de Adolescentes Negros no Brasil

Afrobrasileiros e suas Lutas
- Ana Paula Maravalho[1] -


Carlos Rodrigues Junior, 15 anos, Denis Henrique Francisco dos Santos, 13 anos e Djair Santana de Jesus, 16 anos, não se conheciam. As circunstâncias de suas mortes, no entanto, uniram estes adolescentes pelos laços de um parentesco que remonta à origem do Brasil, país que, em décadas nem tão remotas assim, orgulhava-se em se autodenominar "o país do futuro". Os adolescentes, respectivamente residentes em Bauru (SP), Recife (PE) e Salvador (BA) foram assassinados pela Policia Militar de seus Estados, nos meses de dezembro de 2007 e janeiro de 2008. Tinham em comum, além dos sonhos característicos desta faixa etária, o fato de serem negros e pobres, de estarem desarmados e de não oferecerem nenhum risco à policia no momento em que foram abordados.

Carlos Rodrigues Junior estava em sua residência, na madrugada do dia 15 de dezembro de 2007, quando seis policiais militares (o tenente Roger Marcel Vitiver Soares de Souza, 31 anos, o cabo Gerson Gonzaga da Silva, 42 anos, e mais os policiais Emerson Ferreira, 35 anos, Ricardo Ottaviani, 34 anos, Maurício Augusto Delasta, 33 anos, e Juliano Arcangelo Bonini, 34 anos ) entraram em seu quarto e procederam a uma sessão de tortura que, ao fim de 30 choques elétricos, levaram o adolescente à morte. Denis Francisco dos Santos foi espancado por alunos da Policia Militar (Baltazar Arantes da Silva, que confessou ter dado uma gravata no adolescente, e mais Ganduso Pereira Diniz, Frederico Renan de Albuquerque Lima e Eduardo de Souza Xavier, suspeitos de omitir socorro à vítima), e morreu por asfixia, em conseqüência dos golpes recebidos, quando participava de um prévia carnavalesca no bairro do Cordeiro, em Recife, acompanhado de seus familiares, no dia 13 de janeiro de 2008. Djair Santana de Jesus foi baleado pelas costas, arrastado e novamente baleado na cabeça em seu bairro, no Pelaporco, em Salvador, em uma ação da Policia Militar, em 15 de janeiro de 2008. Nos três casos, a veemência dos protestos das familiares das vitimas (todas mulheres) que presenciaram os assassinatos - denunciando in locco e depois, corajosamente, nos meios de comunicação - são contestadas pela fraca argumentação policial de "fatalidade", nos casos de Carlos e Denis, e de"reação à prisão", no caso de Djair - apesar do tiro nas costas. Para as mulheres que denunciam os crimes, resta a incômoda situação de testemunha ameaçada, ou ainda de vitima da violência e achincalhe policial, como no caso de uma das tias de Djair, baleada nas nádegas.

A morte dos três adolescentes confirma tristemente as estatísticas do Mapa da Violência 2006, que situa o Brasil em 3° lugar no assassinato de jovens, num ranking de 84 paises. Dentre os jovens assassinados, jovens negros têm um índice de vitimação 85,3% superior aos jovens brancos. Além disso, o estudo aponta que o crescimento do numero de homicídios nas ultimas décadas, no Brasil, explica-se exclusivamente pelo aumento de homicídios contra a juventude: enquanto as taxas de homicídios entre os jovens aumentaram de 30,0 para 51,7 (por 100.000 jovens) no período de 1980 a 2004, neste mesmo período as taxas de homicídio para o restante da população diminuíram de 21,3 para 20,8 (por 100.000 habitantes). Outro dado importante é que a faixa etária em que ocorre um significativo aumento no numero de homicídios é a de 14 a 16 anos.

O Mapa da Violência é um estudo que se propõe a conhecer e dimensionar a violência no Brasil, oferecendo dados que possibilitem a orientação de políticas publicas destinadas ao seu enfrentamento. Neste sentido, as informações sobre a importância do fator racial na vitimação de jovens, aliado à constatação da magnitude do impacto do homicídio de jovens no aumento de homicídios da população como um todo, e finalmente, da tendência de diminuição da faixa etária destes homicídios não deixam duvidas quanto ao caráter genocida em relação à população negra que a violência vem assumindo ao longo das ultimas décadas no Brasil. Esta reflexão é de importância capital para os estados onde ocorreram os homicídios dos três adolescentes. Em lugares onde a policia distorce suas funções para cometer um crime bárbaro - assassinar um adolescente indefeso, através de choque elétrico, armas de fogo ou com as mãos nuas - é preciso reconhecer que há uma inversão da ordem que ameaça a sustentabilidade moral do poder. Torna-se, então, imperioso responder a questões tais como: o que leva agentes do Estado a executar de forma tão natural meninos negros? O que os motiva? Porque se sentem autorizados a cometer estes crimes?

Segundo o Mapa da Violência, em 2004 Pernambuco ocupava o 1° lugar entre os estados brasileiros com maior taxa de homicídios da população total, e o 2° lugar entre as maiores taxas de homicídios da população jovem, superando de longe São Paulo (10° lugar na taxa de homicídios da população total e 9° na taxa de homicídios de jovens) e Bahia (22° lugar na taxa de homicídios para a população total e jovens). A clareza dos dados estatísticos, no entanto, não tem sido suficientes para orientar a ação governamental. O Plano de Segurança Publica do estado - batizado de Pacto pela Vida - ignora completamente estes dados em seu diagnostico, impossibilitando a adoção de medidas de enfrentamento à violência racial, sobretudo quando esta violência encontra-se enraizada na ação da própria policia.

O assassinato do garoto Denis Henrique é praticamente uma reedição de outro caso ocorrido em 2006, quando um grupo de adolescentes negros foi abordado pela Policia Militar no centro do Recife, durante o carnaval. Após serem espancados, os jovens foram obrigados a entrar no rio Capibaribe; em conseqüência dos ferimentos, um deles morreu afogado. Durante o processo de julgamento dos policiais responsáveis pela ação, outro jovem do grupo morreu em circunstâncias não explicadas, às vésperas de prestar depoimento. A não punição dos culpados até o presente momento revela a outra face do sistema de segurança publica: a omissão da justiça em apurar casos nos quais vitimas fatais são pessoas negras, resultando na ineficácia da prestação jurisdicional em razão do pertencimento racial dos cidadãos. Assim, percebe-se que tanto a persistência da violência racial na policia quanto o desinteresse explicito em combater o racismo entranhado na estrutura mesma do estado encontram suas raízes no racismo institucional, definido como o "fracasso coletivo de uma organização em prover um serviço profissional adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito inconsciente, ignorância, falta de atenção ou estereótipos racistas que colocam minorias étnicas em desvantagem".

A exclusão histórica do sujeito negro do acesso a bens e direitos, a desconsideração de sua personalidade jurídica nas instituições republicanas no Brasil e a adoção de teorias oriundas do racismo cientifico no século XIX como base do senso comum teórico no aparelho de segurança publica, alimentados na atualidade pela volta da idéia da "criminalidade nata da infância negra" - defendida no pos-abolição por Nina Rodrigues e recuperada pelas campanhas de redução da maioridade penal - consolidaram a distorção da "presunção de culpabilidade" em relação à pessoa negra, ou seja: diante do aparelho de repressão estatal, pessoas negras serão priorizadas em abordagens policiais, em atos de tortura e ações que resultam em morte, pois na percepção dos agentes do Estado, o perfil do suspeito é a pessoa de sexo masculino, jovem e negro. A equação: democracia racial X estereótipos racistas X violência policial tem significado, para a população negra, um pesado saldo de execuções sumarias com efeito genocida, elementos presentes no assassinato dos três adolescentes.

Na verdade, a compreensão do caráter estrutural do racismo institucional permite o estabelecimento da responsabilização da própria autoridade publica omissa na adoção de políticas eficientes de enfrentamento à violência racial. Não basta apenas punir os responsáveis diretos pelos crimes - embora, sem o cumprimento desta etapa fundamental, qualquer perspectiva de prevenção de outros crimes seja impossível.

Ao relatar e analisar o julgamento de Otto Adolf Eichmann, funcionário do governo nazista responsável pela logística do transporte de prisioneiros para campos de concentração, Hannah Arendt se deteve sobre a questão da responsabilidade dos vários níveis de execução de um crime de Estado, concluindo que o fato de estar mais "próximo ou distante do efetivo assassinato da vitima nada significa no que tange à medida de sua responsabilidade. Ao contrario, no geral o grau de responsabilidade aumenta quanto mais longe nos colocamos do homem que maneja o instrumento fatal com suas próprias mãos". Esta compreensão nos leva ao reconhecimento de que os funcionários que executam tais crimes acreditando desempenhar suas funções não podem ser qualificados de "monstros", nem "pervertidos, nem sádicos"; ao contrario, são pessoas "terrível e assustadoramente normais", pois sua ação se encaixa na lógica de um sistema; é, portanto, uma ação esperada, e geralmente, encorajada institucionalmente. O que assusta nesta situação não é a possível "anormalidade" da conduta de quem comete estes crimes, mas ao contrario, a sua absoluta normalidade, "mais apavorante do que todas as atrocidades juntas", pois implica na existência de um criminoso que "comete seus crimes em circunstâncias que tornam praticamente impossível para ele saber ou sentir que esta agindo de modo errado", mesmo porque sua ação nada mais é que uma conseqüência lógica do sistema no qual esta inserido. Ela cumpre uma trajetória que tem inicio na própria formação policial, carregada de estereótipos em relação à população negra, e que encontra eco na sociedade, onde os estereótipos criminalizantes e desumanizadores dirigidos a negros e negras são reproduzidos e alimentados nos meios de comunicação, na educação formal e nas relações sociais. Ao priorizar a pessoa negra em suas abordagens, os policiais militares não inventam uma regra, mas seguem um roteiro pré-estabelecido, agem de acordo com o que aprenderam. Funcionando como um reflexo condicionado, a conduta racista na abordagem policial não exige reflexão por parte dos policiais que a praticam. E é exatamente na consistência superficial desta atitude que reside o problema, porque o mal que a anima se justifica pela idéia do dever cumprido, de um certo heroísmo mesmo. É, portanto, extremamente banal, e exatamente por isso pode se alastrar facilmente, indefinidamente.

Por outro lado, é exatamente a normalidade desta conduta que impede que ela seja combatida e punida - afinal, o extermínio (no nosso caso, o da população negra) é o resultado esperado, e mais que isso - o resultado programado em um Estado que se constituiu a partir do pressuposto da exclusão do contingente negro de sua população. Daí porque a punição dos agentes estatais responsáveis pelo extermínio físico deste contingente é a exceção. Mudar esta lógica é possível, mas exige como pressuposto o restabelecimento da moralidade no poder. Não de uma moralidade abstrata, mas aquela nascida do que Hannah Arendt conceitua como amor mundi - ou seja, a atitude de admiração pelas obras das gerações humanas passadas (considerando a humanidade em toda a sua diversidade) e desejo que tais obras sejam preservadas para as gerações futuras. Esta moralidade exige que o Estado abandone o propósito político inconfessado de exterminar contingentes inteiros de sua população, e assuma o compromisso de preservar para o futuro também as crianças, adolescentes e jovens negros, como parte integrante e constituinte da própria nação brasileira. Extinta esta parte fundante, é a própria nação que corre perigo de sobrevivência no futuro.

A mudança desta perspectiva esta ao alcance do poder publico atualmente em exercício. Políticas publicas de combate ao racismo devem levar em conta o enfrentamento incansável ao racismo institucional, a mudança consciente de padrões de comportamento, de regras internas e de relacionamento com o publico, enfim, da mudança de paradigmas que permitam considerar a pessoa negra, em qualquer situação que se apresente, como detentora dos mesmos direitos e merecedora do mesmo tratamento dispensado às pessoas brancas. No cerne destas políticas deve estar a promoção de uma educação em todos os níveis que privilegie a capacidade reflexiva. Pois, como reflete ainda Hannah Arendt, se "a maldade não é condição necessária para fazer o mal", a capacidade reflexiva, a busca empreendida pelo pensamento ativo é, sem duvida, um antídoto poderoso contra a banalização do mal.

O Movimento Negro em Pernambuco, chamado a contribuir na elaboração da Política de Segurança Publica, elegeu entre outras medidas especificas, a adoção do Programa de Combate ao Racismo Institucional no âmbito do governo estadual e articulação de ações semelhantes com os governos municipais. Acreditamos que esta medida possibilitara ao Estado responsabilizar-se concretamente pela erradicação da violência racial, apontando para um novo paradigma do respeito aos direitos da população negra.

Referências Bibliograficas

ARENDT, Hannah, Eichman em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal - São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.268, 299-300.

BARROS, Geova da Silva, Racismo Institucional: a cor da pele como principal fator de suspeição, dissertação de mestrado em Ciências Políticas - UFPE, fevereiro 2006

BENTO, Maria Aparecida Silva; BEGHIN, Nathalie, Juventude Negra e Exclusão Radical, IPEA - Políticas Sociais, acompanhamento e analises, 11/ago/2005, p.194-197

CORREIA, Adriano, O pensamento pode evitar o mal? O pensamento experimentado como uma atividade reflexiva pode ser um obstáculo ao mal, Revista Educação Especial - Biblioteca do Professor n° 4 - Hannah Arendt pensa a Educação, Ed. Segmento, 2007, p. 46-55.

LIMA, Maria Lucia C. e XIMENES, Ricardo, Violência e morte: diferenciais da mortalidade por causas externas no espaço urbano do Recife, 1991, Cadernos de Saúde Publica, Rio de Janeiro, 14(4):829-840, out-dez.1998.

SALES JUNIOR, Ronaldo Laurentino, Raça e Justiça: O mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de Justiça, tese de doutorado em Sociologia - UFPE, fevereiro de 2006.

WAISELFISZ, Julio Jacobo, Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura - OEI, fevereiro de 2007.


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[1] Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Paris, França e advogada do Observatório Negro (PE).

Fonte: Artigo publicado no Jornal Irohin: comunicação a serviço dos Afro-brasileiros, Brasília, ano XII, nº22, p. 4, em março de 2008.

Foto: extraída de www.estadao.com

DISCRIMINAÇÃO RACIAL Falácias na análise da questão racial brasileira

Por Ana Paula Maravalho em 22/8/2006

A revista Veja da semana passada trouxe matéria sobre o recém-lançado livro do jornalista Ali Kamel, diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo, Não somos racistas, no qual, segundo o periódico, o autor desbanca, em "análise demolidora", "as falácias da política de cotas raciais" ("Contra o mito da ‘nação bicolor’", pág. 126). Nos gráficos que ilustram a resenha, a revista afirma que "os movimentos que reivindicam cotas no mercado de trabalho para negros dividem a população brasileira em duas raças" (brancos, 52%, e negros, 48%), e em seguida que "o jornalista Ali Kamel observa que esta conta ignora os pardos – os numerosos filhos da miscigenação brasileira. Os números corretos seriam outros: brancos, 52%; negros, 6%; pardos, 42%". A revista repete aqui, pela enésima vez, um expediente falacioso ao qual recorre a cada vez que se posiciona contra as cotas: o de confundir o leitor, ao utilizar, errônea e propositadamente, o termo "negros" para significar "pretos".

Como veículo jornalístico que é, elaborado por profissionais competentes no manejo das informações, e mais ainda, já alertada por leitores atentos às numerosas reincidências no malogro determinado que comete, a revista e seus editores sabem muito bem que "os movimentos que reivindicam cotas" utilizam o termo "negro" para indicar a população formada pela soma de "pretos" e "pardos", que vêm a ser os termos utilizados pelo IBGE para classificar a população afro-descendente no Brasil. Considerando que os efeitos do racismo no Brasil atingem indistintamente estes dois grupos (ao contrário do que supõe a teoria da democracia racial), os movimentos negros (atenção ao plural!), assim como vários pesquisadores de órgãos oficiais no país e membros da academia utilizam o termo "negro" significando a soma dos percentuais relativos aos autodeclarados "pretos" (6% da população brasileira) e "pardos" (42% da população), totalizando 48% de "negros".

O debate em relação às cotas é legítimo e saudável num país em que pouco se discutem os efeitos de um racismo permanente, contundente e cruel com suas vítimas. Ser contra cotas é um ponto de vista, que deve ser respeitado quando vem ao debate com limpeza de propósitos. No entanto, a utilização de argumentos falaciosos como o acima descrito, empregado pela Veja, mais uma vez, com o único objetivo de desinformar e manipular o leitor, revela a pobreza de argumentos de quem procura, desesperadamente, tapar o sol com uma peneira.

Definição de branquitude

O livro de Ali Kamel tem, no entanto, um mérito indiscutível: o de escrever com todas as letras a teoria abraçada pelo diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo, que não deve estar longe das diretrizes da própria emissora. E, a julgar pelo entusiasmo do jornalista que escreveu sobre o livro, também é a opinião da revista em questão. A base da teoria é a mesma que embala a nação brasileira desde suas origens: a de que não somos racistas porque somos um país de mestiços. Daí a necessidade de explicar, ou melhor, denunciar que "não há negros no Brasil".

É verdade que a composição racial brasileira não é fácil de explicar. Sem dúvida, a categoria de "negros" não é homogênea. Tampouco a de "brancos", o que leva à constatação de que, ao lado do aparentemente insolúvel problema de "quem é o negro no Brasil", há que se discutir a não menos complicada definição de "quem é o branco no Brasil". Sobretudo quando os argumentos contrários às cotas se concentram na negação da bipolaridade racial.

A definição da branquitude sofreu modificações ao longo de nossa história. Inicialmente reservada aos originários dos países da antiga Europa, os limites do conceito foram se alargando para absorver povos que, em princípio, encontravam-se do lado de lá do perímetro racial. É assim que pessoas que em outros países possuem identidade racial própria (e que sofrem discriminação por esta razão) podem legitimamente – e só no Brasil – reconhecer-se e afirmar-se "brancos". É verdade que, para os descendentes destes povos – judeus, árabes, orientais – a democracia racial funciona perfeitamente. Ainda que preservem valores culturais específicos, a teoria da mestiçagem os absorveu por completo, equiparando-os aos "brancos" em tudo.

Revolta "sincera"

Oposto ao contingente "branco" – real ou virtual – encontra-se sua antítese, o "negro". E aqui também encontramos a influência da teoria da mestiçagem. No Brasil, é negro quem não pode ser considerado branco. A definição é bastante larga para permitir que negros suficientemente claros para cruzar a "linha da cor" possam se autodefinir como brancos. Num país onde ser negro sempre significou estar associado a tudo que é negativo, cruzar a "linha da cor" tornando-se branco é a única alternativa permitida pela idéia da mestiçagem. E é justamente aí que a política de cotas causa uma revolução, ao possibilitar que esta "linha" possa ser cruzada no sentido inverso: tornar-se negro passa a constituir, sim, uma opção de futuro.

Os brancos que se posicionam contrários às cotas o fazem por vários motivos. Entre eles está o de crer, com sinceridade, no mito da democracia racial, na relação harmônica e perfeita entre as diferentes raças em nosso país. É possível, e mesmo provável, que uma pessoa branca creia nisto, sinceramente. Motivos não lhe faltarão: afinal, a questão racial nunca foi uma prioridade em sua vida – nunca foi discriminada por sua cor, e se já discriminou alguém, nem percebeu (contar piadas sobre negros ou repetir alguns "provérbios" oriundos da infinita e sempre correta sabedoria popular não vale, não é? É só brincadeirinha, sem intenção de magoar ninguém!).

Uma pessoa branca poderá viver sua vida inteira sem ser obrigado a definir ou declarar sua branquitude, a não ser no censo. Dificilmente terá passado pela experiência de ter seus erros justificados pela sua cor, ou de ver seus méritos – mesmo que excelentes – serem menosprezados também em função de sua cor. Uma pessoa branca, mesmo pobre, sempre pôde se identificar pela sua cor com os heróis e heroínas de sua infância, fossem eles personagens de um filme, da novela, do livro de História ou mesmo de um livro de historinhas para crianças.

Uma pessoa branca pode, sinceramente, achar que nunca fez distinções entre brancos e negros. Esta nunca foi uma questão importante para ela, até surgirem as discussões sobre cotas para negros na universidade e no mercado de trabalho. A revolta é então, legitimada pelo sentimento de se sentir usurpado em seu sagrado direito à igualdade por um grupelho que, de uma hora para outra, resolveu importar de outras paragens conflitos até então inexistentes no Brasil. Uma pessoa que pense desta maneira pode mesmo estar sendo sincera em sua revolta contra os que advogam que a política de cotas é a única solução para o problema racial brasileiro. Pois, segundo tudo em que acreditam, a verdadeira solução para o sucesso está no esforço pessoal, no mérito. Estão aí para provar todos os negros que alcançaram posição de destaque em suas carreiras: a Glória Maria, a Zezé Mota, o Lázaro Ramos, isso para não falar nos inúmeros cantores e jogadores de futebol negros, que ganham milhões!

Motivo de alerta

O único problema é que, se estamos falando de democracia racial mesmo, não deveríamos poder "identificar" a Glória Maria, a Zezé Mota, o Antônio Pitanga, o Lázaro Ramos, a Deise Nunes (para aqueles que não se lembram, ou não sabem, a nossa única Miss Brasil negra, "eleita" em 1986). E se dermos ainda mais tratos à bola, veremos que entre os exemplos de negros bem-sucedidos há muito poucos no nosso círculo íntimo de amizades. À medida em que subimos os degraus sociais, "muito poucos" vira eufemismo para "nenhum". Pois é muito possível, e mesmo provável, que uma pessoa branca das classes média e alta, no Brasil, atravesse toda a sua vida sem jamais cruzar com pessoas negras no seu círculo social.

E aqui não falo do "álibi negro", aquele que os brasileiros costumam tirar da cartola cada vez que precisam explicar por que não são racistas – aquela empregada que é tratada como se fosse da família, aquele porteiro com quem conversa todos os dias, aquele menino negro a quem sempre dão um trocado no sinal. Falo de pessoas com quem podem se relacionar de igual para igual, com quem tenham estudado no mesmo colégio, com quem dividam, no mesmo nível, um posto no trabalho, com o mesmo salário, o mesmo carro. Tudo bem, vai. Um vizinho no mesmo prédio, na mesma rua, já vale. Ou a médica com quem costumam se consultar. O pediatra dos seus filhos. O dentista. Quantas destas pessoas são negras?

Se os exemplos nacionais e pessoais são tão poucos, já não seria um motivo de alerta de que esta democracia racial não é tão democrática assim? Sim, pois numa democracia racial digna deste nome os negros que teriam "conseguido" seriam tantos que não deveríamos ser capazes de nomear, isolar, apontar "a" exceção que confirma a regra. Que regra? A de que para "conseguir", para "chegar lá", ser branco é um dos requisitos. E ser negro atrapalha.

Discurso e política

A não ser que haja outra explicação. A de que se os negros não conseguem é porque há alguma coisa errada com eles, não com a sociedade. Deve ser porque eles são incapazes, preguiçosos, burros mesmo. Feitos para ser dominados. Geneticamente dotados para a pobreza e o crime. Bingo! Taí a explicação!

O problema com esta explicação é que ela não é, digamos, original. Não é uma decorrência lógica dos fatos, não é uma conclusão a ser tirada da realidade dos negros no Brasil. Na verdade, ela é a própria espinha dorsal do racismo, organizado como doutrina "científica" no século 19 e sistematizado como pedra de toque da concepção de nação brasileira: uma nação mestiça a contragosto, mas que poderia almejar seu lugar ao sol, entre os países civilizados, desde que promovesse o embranquecimento paulatino de sua população. E é a partir desta idéia sistematizada – a da mestiçagem como uma etapa necessária para promover o embranquecimento, de forma a que não haja mais negros no país – que se estabeleceram e se mantêm até hoje as relações raciais por aqui.

O embranquecimento não se resumiu aos discursos dos intelectuais da época, como Sílvio Romero, Oliveira Viana, Nina Rodrigues. Foi mesmo política oficial de governo, como quando o Estado brasileiro promoveu a entrada em massa no país de colonos europeus para ocupar os postos de trabalho liberados a partir da abolição da escravização, pagando a viagem e em muitos casos cedendo terras, insumos e máquinas, ao mesmo tempo em que fechava os portos aos africanos (Decreto 528, de 28 de junho de 1890); ou quando o Itamaraty, em 1921, emitiu ordens explícitas para que as embaixadas brasileiras nos Estados Unidos negassem visto aos afro-americanos que pretendiam comprar terras em Mato Grosso.

Anacrônico e deficiente

O embranquecimento é também a política dominante nos meios de comunicação brasileiros, que conseguiram, pela invisibilização da população negra (pretos e pardos, indistintamente) promover a imagem do país como formado quase 100% por brancos – basta ver as páginas das revistas de moda, de "boa forma" e muitas das novelas e minisséries televisivas.

Diante deste quadro, para não falar nas pesquisas que, desde 1990, vêm mostrando as diferenças abissais entre os índices de desenvolvimento humano de negros e brancos no Brasil, caem todos os argumentos que se posicionam contra as cotas por entenderem que em nosso país não há racismo. Esta discussão já foi superada, inclusive, pelo próprio Estado, que em 1995, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, reconheceu que somos, sim, um país racista. O Estado brasileiro também se comprometeu a empregar os esforços necessários para reduzir o abismo social causado pela discriminação racial histórica no país, em cumprimento aos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que incluem as ações afirmativas como instrumento de ação legítima contra o racismo.

O livro de Ali Kamel já nasce, portanto, anacrônico e deficiente em seus argumentos. Pode-se ser contrário às cotas por vários motivos. Negar a existência do racismo no Brasil, no entanto, beira o revisionismo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A Consciência Branca da Globo


Não havia data melhor. Em plena semana da Consciência Negra, a teledramaturgia global reafirma, mais uma vez, a pura reprodução de imagens, palavras e ideais racistas em horário nobre.
Ao elencar a atriz negra Thaís Araújo para protagonista de sua novela das nove, a TV Globo, através de seu funcionário Manoel Carlos, parecia querer responder ao Estatuto da Igualdade Racial idealizado pelo movimento negro que não seria necessário estabelecer cotas para atrizes e atores negros; bem, parece não ter sido à toa que justamente no momento de uma decisão histórica quanto ao conteúdo do referido Estatuto, a Globo tenha lançado ao ar duas novelas com protagonistas negras, atrizes que inclusive têm uma postura racial condizente às suas trajetórias, como são Thaís Araújo e Camila Pitanga. Nas entrelinhas, previa-se uma forjada justificativa à sociedade das "desnecessárias" cotas raciais para os meios de comunicação, já que este espaço vem sendo ocupado pelo núcleo negro da Globo. Convenhamos, uma jogada de mestre; assim, evita-se o "mal maior" para a Consciência Branca do comando global, que é obedecer a lei e fazer cumprir os direitos da pessoa, da população e dos povos negros.
Pois então que nesta semana, no capítulo que foi ao ar na noite do 17 de novembro, com precisão cirúrgica o autor desenhou a cena mais representativa possível da ópera racista contra o verdadeiro protagonismo negro. A suposta protagonista da novela, a personagem de Helena, após ser retirada de seu núcleo familiar negro para transitar exclusivamente num núcleo branco e assim ser sujeita a traições e humilhações, é posta de joelhos diante de uma de suas antagonistas brancas - já que, para uma negra, não basta uma só antagonista, devendo vir elas em número de três: a amante do marido, a filha mimada e infantilizada do marido e a ex-mulher do marido. Não apenas de joelhos, deve pedir perdão de cabeça baixa; não apenas de cabeça baixa, sob o olhar duro e inflexível de sua então dominadora; não apenas isso, como se já não fosse o bastante, deve pedir perdão e ter por resposta uma bofetada no rosto. Para finalizar a cena, a personagem desabafa com uma das melhores amigas que "devia ser assim".
A idéia de protagonista negra, na Globo, enfim foi definida claramente. Uma heroína que, se inicialmente surgia diante de um drama familiar, afirmando um núcleo negro protagonista, como âncora, marco e raiz, veio sendo reduzida dramaturgicamente a pobre vítima de suas três antagonistas brancas, tendo estas enfim recebido mais espaço de visibilidade que a suposta protagonista. O papel, de central, tornou-se periférico, apoio para a virada de jogo das outras atrizes, que passam a receber os aplausos da população e das "críticas" noveleiras de plantão, prontas para limar a atriz negra por seu papel "sem graça".
Ou talvez, pensa o autor que pode salvar o papel de Helena pondo-a no lugar em que acha pertencer à mulher negra. Agora sim, a Globo assinou embaixo de suas verdadeiras posturas ideológicas - mais diretamente, de seu racismo.

Rebeca Oliveira Duarte
Advogada e Cientista Política do Observatório Negro